Bibliotherapy
Fernando Pessoa – ‘Etiamsi Revelare Destruere Est’
Relief showing a sacrifice performed by Aeneas or Numa Pompilius. The Ara Pacis Augustae (Latin, “Altar of Augustan Peace”; commonly shortened to Ara Pacis) is an altar in Rome dedicated to Pax, the Roman goddess of Peace. Picture by Miguel Hermoso Cuesta.
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Another sharing for the day from the Blue House of Via-HYGEIA, is a little fragment by Fernando Pessoa directly written in English, extracted from ‘Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética – Fragmentos do espólio’ . (Introdução e organização de Yvette K. Centeno.) Lisboa: Presença, 1985.
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‘There were three reasons why, in the pagan religions, certain truths, or things thought to be truths, were delivered only in secrecy and apartness, by initiation. The first reason was a social one: it was thought that those certain truths were unfit for delivery to any man, unless he was in a certain measure prepared to receive, and that they would have disastrous social effects if they were made public, for that would mean that they would be misunderstood. «Etiamsi revelare destruere est…»
The second reason was a philosophic one: it was thought that, in themselves, such truths were not of a kind that the common man could understand, and that mental confusion and therefore unbalance in conduct would result from their being uselessly communicated to him.
The third reason was, so to speak, a spiritual one: it was thought that such truths, being truths of the inner life, should not be communicated but suggested, and that the suggestion should be impressive, it had to be girt round with secrecy, that it might be felt to be valuable, with ritual, that it might impress and astonish, with symbols, that the candidate be forced to work out his own way, by striving to interpret the symbols, instead of thinking himself full of knowledge, if communication had been made by dogmatic or philosophic teaching.
I do not say that these three reasons stood clear, either severally or together yet divided thus, in the minds of the ancients, priests or laymen of their religions. But I do say that, if not by direct intelligence, then at least by intuition, they based their religions on this divisional scheme.
The religions of the ancients, and preeminently so the pagan religions of Greece and Rome, which are those that most concern us, since our minds are their children, were divided into three forms. There was a social form, the cultus, which was of the man as citizen. There was an individual form, the poetry, which was of the man as non-citizen; the cultus duly fulfilled, he could interpret to himself the gods as he chose and elaborate their legends as he best thought fit. And there was a secret form, initiation, which participated in secrecy of the characteristics of both: it was individual, because (even when initiation is collective, as it was in the great pagan Mysteries) it is always the individual who is initiated and not the group; it was social, because initiation was communicated in ritual and ritual is social.
Which with the Christians is rarely linked or fused with poetry as it was with the pagans. (We will not understand the middle ages until we understand that theology was their poetry, that the lack of poetry then was but the presence of poetry under another form).
All religions, however, are in the same state as the great pagan religions. The three forms of religion will be found, one way or another, in all. In the Christian religions, for instance, we have the public cult, be it highly ceremonial, as in the Roman Church, or poor to nakedness, as in the extreme Protestant dissensions; we have the individual religion, meaning the personal reflection on the dogmas and formulae of faith, and this is theology where (with the pagans) it was rather poetry; and we have the inner life of the Christian, which is his initiation, for in the Christian religions initiation is considered as given by Christ alone mystically, not by any priest or hierophant ritually or ceremonially. In other words — the exacter meaning of which will be understood later —, pagan initiation moved towards Magic, as all ritual initiations do, Christian initiation moved towards Mysticism, as do all meditative initiations.’
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Text in Portuguese
‘Havia três razões pelas quais nas religiões pagãs certas verdades, ou coisas supostas serem verdades, eram transmitidas só em segredo e reclusão, por iniciação. A primeira era uma razão social: pensava-se que essas tais verdades eram impróprias para transmissão a qualquer homem, a nau ser que ele estivesse em certa medida preparado para as receber, e que elas teriam resultados sociais desastrosos se fossem tornadas públicas, pois isso significaria que seriam mal compreendidas. «Etiamsi revelare destruere est…» A segunda era uma razão filosófica: supunha-se que, em si próprias, essas verdades não eram de um género que o homem comum pudesse compreender e que lhe poderia advir confusão mental e desequilíbrio na conduta se lhe fossem inutilmente comunicadas. A terceira era, por assim dizer, uma razão espiritual: pensava-se que, por serem verdades da vida interior, essas verdades não deviam ser comunicadas, mas sugeridas, e que a sugestão devia ser impressiva, rodeada de secretismo, para que pudesse ser sentida como de valor; de ritual, para que pudesse impressionar e surpreender; de símbolos, para que o candidato fosse forçado a abrir o seu próprio caminho, lutando por interpretar os símbolos, em vez de se julgar cheio de conhecimento se a comunicação tivesse sido feita por ensinamento dogmático ou filosófico.
Não digo que estas três razões se apresentassem claras ou em separado ou em conjunto, embora assim divididas, nos espíritos dos antigos, sacerdotes ou leigos das suas religiões. Mas digo que, quando não por inteligência directa, ao menos por intuição, eles basearam as suas religiões neste esquema divisional.
As religiões dos Antigos, e sobretudo as religiões pagãs da Grécia e Roma, que são as que mais nos interessam, uma vez que os nossos espíritos são seus filhos, estavam divididas em três formas. Havia uma forma social, o culto, que era o do homem como cidadão. Havia uma forma individual, a poesia, que era do homem como não-cidadão; cumprido o culto devidamente, ele podia interpretar para si os deuses como entendesse e elaborar as suas lendas como lhe parecesse mais adequado. E havia uma forma secreta, a iniciação, que participava em segredo das características de ambas: era individual porque, mesmo quando a iniciação era colectiva como nos grandes Mistérios pagãos, era sempre o indivíduo o iniciado e não o grupo; era social, porque a iniciação era comunicada em ritual e o ritual é social.
O que com os Cristãos raramente está associado ou fundido com a poesia como acontecia com os pagãos. (Não compreenderemos a Idade Média até que compreendamos que a teologia era a sua poesia, que a ausência de poesia então mais não era que a presença da poesia sob outra forma).
Todas as religiões, porém, estão no mesmo estado que as grandes religiões pagãs. As três formas de religião serão encontradas de uma forma ou de outra em todas. Nas religiões cristas, por exemplo, temos o culto público, quer seja altamente cerimonial como na Igreja Romana, quer pobre até à nudez como nas seitas protestantes extremistas; temos a religião individual significando a reflexão pessoal sobre os dogmas e fórmulas de fé, e isto é teologia onde (com os pagãos), era antes poesia; e temos a vida interior do cristão, que é a sua iniciação, porque nas religiões cristãs a iniciação é considerada como dada por Cristo, só, misticamente, e não por qualquer sacerdote ou hierofante ritualmente ou ceremonialmente. Por outras palavras — cujo sentido mais exacto será compreendido mais tarde — a iniciação pagã encaminhou-se para a Magia, como fazem todas as iniciações rituais, e a iniciação cristã encaminhou-se para o Misticismo, como fazem todas as iniciações meditativas.’
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